Desvendar a história de pratos brasileiros pode não ser tão óbvio ou fácil como possa parecer. Por vezes, certos pratos ditos como genuinamente brasileiros, são na verdade provenientes de culturas de outros países. Mesmo considerando as culturas gastronomicas dos colonizadores ou dos imigrantes no Brasil, pode-se deparar com receitas inseridas no país por eles, mas que são originárias de civilizações ainda mais antigas, como por exemplo, árabes e chineses. Além de receitas culinárias, esse tipo de busca e de entendimento pode nos esclarecer sobre o patrimônio alimentar de um povo, considerando as diferentes articulações de sua cultura e história. Tal situação aguça a curiosidade em entender melhor nossos pratos e justifica o interesse, neste caso de conhecer melhor o bolo de rolo, pois se trata de um bolo que faz parte da culininária brasileira, sendo bastante popular no estado de Pernambuco. O presente texto tem caráter de revisão, pois é realizado por meio de levantamento bibliográfico. Vale ressaltar que o interesse em desvendar práticas e costumes cotidianos, como neste caso, da nossa alimentação, confirma o entendimento sobre nossos valores e sobre nossa sociedade.
O bolo de rolo apresenta uma peculiar estrutura em forma de rolo, resultado de uma fina camada de bolo com recheio de goiabada derretida, enrolada e coberto por açucar, conforme descreve a receita a seguir:
Ingredientes:
- 250 gr de açúcar;
- 250 gr de manteiga;
- 5 ovos;
- 250 gr de farinha de trigo;
- ½ lata de goiabada, derretida em um pouco d'água
- 250 gr de açúcar;
- 250 gr de manteiga;
- 5 ovos;
- 250 gr de farinha de trigo;
- ½ lata de goiabada, derretida em um pouco d'água
Preparo:
- Bata bem o açúcar e a manteiga;
- Junte as gemas, uma a uma. Depois as claras em neve;
- Acrescente o trigo peneirado e misture, delicadamente;
- Divida a massa em 7 assadeiras rasas, untadas com manteiga e trigo. Em forno pré-aquecido asse uma de cada vez, por pouco tempo;
- Desinforme em toalha polvilhada com açúcar;
- Recheie com a goiabada derretida e enrole rapidamente, com ajuda da toalha;
- Repita o mesmo processo, até a última camada;
- Coloque no prato de servir e polvilhe açúcar.
- Bata bem o açúcar e a manteiga;
- Junte as gemas, uma a uma. Depois as claras em neve;
- Acrescente o trigo peneirado e misture, delicadamente;
- Divida a massa em 7 assadeiras rasas, untadas com manteiga e trigo. Em forno pré-aquecido asse uma de cada vez, por pouco tempo;
- Desinforme em toalha polvilhada com açúcar;
- Recheie com a goiabada derretida e enrole rapidamente, com ajuda da toalha;
- Repita o mesmo processo, até a última camada;
- Coloque no prato de servir e polvilhe açúcar.
Como descrito na receita e ilustrado na imagem acima, o bolo de rolo se diferencia de outros bolos enrolados, como por exemplo, o rocambole, devido suas camadas serem bem mais finas e em maior quantidade. Isto resulta não só numa diferença estética, mas também de textura e sabor.
Origens
Pode-se eliminar a possibilidade de existir esse tipo de bolo no Brasil antes da colonização pelos portugueses, pois até então se tinha a culinária indígena, na qual não se utilizava farinha de trigo e manteiga - produtos orinalmente introduzidos no Brasil pelos europeus a partir do século XVI. Diante disso, se procurarmos saber sobre a existência de algum prato semelhante na culinária portuguesa, provavelmente nos depararemos com o bolo bibinca (também conhecido em alguns lugares como bebinca ou bebink), que também possui uma estrutura em camadas. O bolo bibinca é uma receita difundida pelos portugueses na colonização de Goa, na Índia no início do século XVI. Atualmente é possível encontrar variações desse bolo outras regiões da Índia e de outros países asiáticos. Na busca de informações sobre as origens do bolo de rolo, encontra-se comparações com outros bolos de estrutura em camadas finas, como menciona FERNANDES (2001, p. 99) em: “Tão famoso quanto o Souza Leão, porém mais trabalhoso. À semelhança da “bibinca” desenvolvida pelos portugueses em Goa, e da “dobostorte” austríaca, é um bolo de camadas finíssimas de massa, intercaladas por um recheio de goiabada, no caso do delicioso doce pernambucano.”
Entretanto, para CAVALCANTI[2] a influência do bolo de rolo foi o bolo “colchão de noiva”, embora este seja um bolo com apenas duas camadas (largas) de massa e recheio de amendoas, conforme menciona: “Assim nasceu no Nordeste o Bolo de Rolo, a partir de adaptação do "colchão de noiva" português - trocando, na receita, seu recheio de amêndoa por um de goiaba. E passou-se a enrolar esse bolo em camadas cada vez mais finas. Como um rolo.”
Provavelmente, a utilização da goiabada deu-se pela disponilidade de goiaba em nossa terra. A goiabada por sua vez é um doce de preparo semelhante ao de geléias – outro quitute tipicamente europeu - porém com consistência mais espessa oriunda de maior redução de liquídos conseguida no cozimento. A substituição de ingredientes brasileiros nas receitas é mencionada por FREIXA e CHAVES (2008, p. 182) em: “Não podemos deixar de mencionar a grande diversidade de frutas brasileiras, como caju, goiaba, mamão, maracujá e abacaxí, substituíram as européias na feitura de receitas clássicas da doçaria dos conventos.”
Outro indicador das influencias portuguesas no nordeste brasileiro foi a cultura de cana-de-açucar que inicialmente os portugueses tentaram estabeler no sudeste do Brasil por volta de 1532, mas obtiveram maior fertilidade em terras pernambucanas. Logo, Pernambuco recebeu dentre outras influências, a da doçaria que ultilizava razoável quantidade de ovos e açucar, coerentes com à de doces como os sonhos, ambrosias e o bolo de rolo.
Conforme relatos de familiares da família Souza Leão – tradicional família proprietária do engenho Muribeca em Pernambuco -, o bolo de rolo foi criado originalmente pela quituteira da família, a Sra. Rita de Cássia Souza Leão Bezerra. Vale lembrar que era comum nessa época dar aos pratos nomes homenageando as famílias, principalmente dos senhores de engenho, como no caso do bolo Souza Leão.
A popularidade do bolo de rolo no nordeste brasileiro, sobretudo, em Pernambuco, deve-se à tradição dos senhores de engenho em apreciá-lo como sobremesa, e utilizá-lo inclusive como forma de agradar pessoas importantes que os visitavam, até mesmo presenteando-as com o bolo, hábito que segundo CASCUDO (2004, p. 302) também provém dos portugueses, quando explica:
O bolo possuía uma função social indispensável na vida portuguesa. Representava a solidariedade humana. Os inumeráveis tipos figuravam no noivado, casamento (o bolo de noiva), visita de partida, aniversários, convalescença, enfermidade, condolências. Era a saudação mais profunda, significativa, insubstituível. Oferta, lembrança, prêmio, homenagem, traduziam-se pela bandeja de doces. Ao rei, ao cardeal, aos príncipes, fidalgos, compadres, vizinhos, conhecidos. O doce visitava, fazia amizades, carpia, festejava. Não podia haver outra delegação mais legítima na plenitude dimbólica da doçura.
Pode-se afirmar que até hoje tal prática se mantém, e que o bolo de rolo ganhou um significante papel nas relações pessoais. Atualmente, até mesmo no aeroporto da cidade do Recife o bolo é comercializado, pois muitos turistas compram e levam para presentear outras pessoas. Esses costumes são coerentes com a explicação de MACIEL (2005, p. 6) quando afirma: “(...) mais do que responder à uma necessidade básica do organismo, o ato de comer é uma prática cultural que implica em relações sociais, crenças, classificações, enfim, formas de conceber o mundo.
A importância cultural do bolo de rolo para Pernambuco e porque não, para a gastronomia brasileira foi legitimada pela Assembléia Legislativa que pela LEI 357/2007 o reconhece como patrimônio cultural imaterial do estado de Pernambuco.
Embora o bolo de rolo seja um prato que utiliza poucos ingredientes, sua composição histórica e social é de grande complexibilidade cultural, podendo até servir de objeto de estudo para investigar alguns contextos sobre o povo brasileiro.
Considerações finais
Nossa culinária, valores e costumes cotidianos, neste caso em torno do tradicional bolo de rolo pernambucano, pertencem a um imenso rolo de influências culturais contextualizadas pela história, pela geografia, pela economia e acima de tudo pela mistura de conhecimentos de um povo, que dentre outras atividades, expressa sua riqueza cultural e seu entendimento de mundo, também pela culinária.
Aquele que estuda gastronomia, hora ou outra é questionado sobre o que se aprende em Gastronomia além de cozinhar. Este texto parece elucidar um pouco sobre o que se busca aprender em gastronomia, que o entendimento de um povo por meio da alimentação. Realmente somos o que comemos.
Referências bibliográficas
CASCUDO, Luís da Câmara, 1898 – 1986. História da alimentação no Brasil - 3. ed. – São Paulo: Global, 2004.
FERNANDES, Caloca. Viagem gastronomica através do Brasil. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2001.
FREIXA, Dolores; CHAVES, Guta. Gastronomia no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2008.
Webgrafia
CAVALCANTI, Lectícia. Bolo de Rolo. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2010.
FUNDAJ. O sabor da terra: Uma bibliografia sobre a culinária brasileira. Disponível em: . Acesso em: 16 jul. 2010.
GOACOM – Portal eletrônico de Goa. Cuisine. Disponível em: <http://www.goacom.com/cuisine.php?file=cuisine_home&smid=12>
Acesso em: 20 jul. 2010.
Maciel, Maria Eunice. Gastronomia em Gilberto Freyre. Disponível em: <http://prossiga.bvgf.fgf.org.br/portugues/critica/anais/anais_GastronomiaGF.pdf#page=37> Acesso em: 14 jul. 2010.